É (quase) sobre um joelho ralado


Menina-moleca, era assim que a conheciam, naquela vizinhança, em tempos outros.
Bonecas, só mesmo para cuidar, quando o instinto falava mais alto e a convidava a niná-las.
Aqueles olhos de jabuticaba brilhavam mesmo quando ela brincava na rua, subia em árvore e pulava muros.
Se ela guarda lembrança?

Guarda em suas (doces) memórias e em seu corpo algumas marcas, sobretudo nos joelhos.
“Ô menina para aparecer com os joelhos esfolados”, dizia a sua mãe.

Ao mesmo tempo que as feridas eram abertas, havia dentro dela uma força maior para sarar logo. Tinha pressa em viver!

Lembra-se que quando ralava os seus joelhos, a sensação era de ardor forte e profundo. Aliás, ela sempre achou que a dor vinha do osso, só podia.

Corpo que cresce e feridas que insistem em doer em partes dela.

Será que a "pouca sorte” que tinha com os joelhos, na infância, fora transferida para uma parte ainda mais profunda dela? Talvez.

Embora tente estar atenta às primeiras fisgadas de dentro, ainda sente dor. Não mais aquele ardor, não mais por tão pouco tempo.

Lida agora com ferimentos que parecem “incicatrizáveis”. 
“Ah, que saudades dos meus joelhos ralados”, suspira.

É possível uma ferida permanecer (quase) aberta por anos?
O que faz com que uma ferida cicatrize?

Chegou até pensar que está demasiada próxima do chão. Vai ver, esta.

Certos chãos parecem ter ímãs.
Certos buracos são disfarçados de chão.
Chão que é de asfalto
Chão que é de pedra
Chão que é amigo
Chão que é amor.
Amor este, que nos deixa com os joelhos ralados.

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