Oceano das incertezas


E lá se vai um ano que eu escolhi viver aquela que seria (e continua sendo) uma das experiência mais profundas da minha vida...

O grande início se deu quando senti uma grande alegria e vontade de conhecer melhor o primeiro país que visitei. O ano era 2015 e o desejo de descobrir aquele lugar fez com que no mesmo ano eu voltasse por mais tempo – três meses (os permitido pelo visto).

Viver em Lisboa me fez experienciar momentos intensos de muita alegria, descobertas e a certeza de que aquele período era pouco, diante de tudo o que estava acontecendo... Desejo de permanecer, tristeza por ter que partir e deixar para traz o que estava nascendo, medo do que viria pela frente, medo do que deixei para trás... Um turbilhão de incertezas e sentimentos vivenciados com muita intensidade.

Não estava sozinha nessa história, existia alguém – que ditava a urgência para o retorno e o ritmo da minha angustia e ansiedade.
Um mês, dois, três... seis... nove meses. E o que foi iniciado aqui em Lisboa chegava ao fim, de uma maneira cuidadosa e como de costume - prática e racional.
Mais uma vez me permiti a viver todos os sentimentos que afloravam – raiva, injustiça, rejeição, medo, culpa, frustração...
Mas pouco a pouco, lágrima a lágrima o “luto” foi dando espaço ao respeito, a compaixão, a aceitação e uma vontade grande de seguir adiante no meu sonho, dessa vez sozinha (o que foi essencial no processo de autorealização, autorresponsabilidade e cura!).

Segui firmemente os passos que havia planejado e parti para Itália, isso porque para eu voltar legalmente para a Europa tinha que reconhecer minha cidadania deixada como herança pelos meus avós paternos.

Nunca imaginei conhecer lugares que via apenas nos livros de histórias e nas aulas de geografia.
Num piscar de olhos estava eu saboreando os gelatos de Firenze; tentando o melhor ângulo para fotografar a Torre de Pisa; perdida nas ruelas etruscas de Lucca; desbravando a Ilha de Elba e os locais onde Napoleão passou enquanto ficou exilado; explorando atentamente o Museu da Ferrari, com os olhos do meu pai (um Ferrarista roxo); deliciando a gastronomia de Bologna; me encantando com Veneza e seus canais que cortam a cidade de uma forma poética; conhecendo Treviso, a cidade em que meus avós e meu pai viveram na infância e tentando imaginar por onde eles já tinham passado; surpreendendo-me com Roma e toda a sua carga energética fruto de uma historia de batalhas e conquistas e por fim, me emocionando profundamente com o Vaticano e a missa que assisti (completamente por acaso) do Papa Francisco.

Um presente atrás do outro!     
                                                  
Chega o dia do meu “nascimento italiano”. Segurar o meu bilhete de identidade foi uma conquista que eu nem imaginava que teria.
Senti uma enorme gratidão pelos meus avós paternos – Dona Ada e senhor Giacomo Gasparro. Infelizmente não tivemos tempo nem oportunidade de vivermos uma relação próxima, mas naquele instante a única coisa que senti vontade foi de emanar muita luz a eles.

1 mês e 18 dias na Itália, chegava a hora de seguir viagem e aterrissar novamente em solos portugueses.
Já em Lisboa mais oportunidades de autoconhecimento e encontros com pessoas especiais – mestres que surgem em nossos caminhos para nos ensinar.

Descrevendo assim até parece que a jornada foi toda cor de rosa e simples...
Não se engane, houve alguns momentos de escuridão e profundos questionamentos, incluindo a dúvida em relação a viver aqui.

O primeiro que identifico como mestre e agradeço pelos momentos em que nos cruzamos é o motorista do ônibus 706, aquele em que eu voltava diariamente durante as duas semanas em que tentei trabalhar em um call center.  O senhor sempre me recebia com um sorriso no rosto transmitindo satisfação de estar onde estava.

Tive o prazer de conhecer o Fernando, um colega de formação no call center, ex pastor e um senhor calmo que durante os momentos em que tivemos juntos me encorajava a tentar mais um pouco – “Podemos fazer isso Liz, aliás podemos tudo o que quisermos...”

E, inspirada nele, senti que ali não era o meu lugar e parti sem rumo, em busca de qualquer outro trabalho.
Nessa altura minha reserva financeira já entrava no vermelho e a angustia tomou conta de mim... 
E mais questionamentos:
Será mesmo que é para eu ficar aqui?
Será que fiz a coisa certa?
Do que adiantou todo esforço?
E outras tantas perguntas que me tiraram o sono e a paz.

Eis que surge A oportunidade de trabalhar em uma loja que eu adoro e é a minha cara – a Natura, com roupas alternativas, incensos e artigos indianos. 
Fui a uma entrevista, voltei para um segundo papo e até assinei o contrato.
“Dessa vez vai...” pensei eu.
  E... Não foi.

No dia seguinte recebo a notícia que a empresa negou minha contratação por motivos burocráticos.
Volto à estaca zero com os infinitos questionamentos que ressurgem com mais intensidade.
Medo da escassez, vergonha de cogitar um retorno para casa, raiva, sentimento de injustiça e uma conversa muito franca com Deus:

“Eu entrego os pontos... Entrego-me à vontade do propósito divino! 
Deixo tudo o que acredito ser o melhor para mim para entregar-me ao fluxo da vida!
Mostrem-me o caminho... 
Conduzam-me a partir de hoje! 
Eu me rendo, deixo de lado o meu controle e entrego-me por inteira!”.
E em meio a muita emoção, adormeço...

Dia renasce e com ele um sinal.
A Maria, a senhora que me acolheu tão amorosamente em sua casa, comenta sobre uma senhorinha que fraturou a bacia e necessita de cuidados durante o dia.

“Liza, enquanto está procurando emprego, pensei que pudesse fazer companhia para a senhorinha e ainda receber um dinheirinho, o que acha?”
Em meio a pensamentos orgulhosos e egóicos respondi que seria um prazer ajudar.
E em uma sexta-feira chuvosa e fria acontece o primeiro encontro com a Dona Maria Amélia, ex-professora de surdos-mudos, de 79 anos.

Sensação de alegria, bem-estar, serenidade, compaixão, amor e paz invadiram meu Ser e a empatia foi imediata.
Senti que esse encontro era a resposta do universo à minha oração do dia anterior!
Foram apenas cinco dias de convívio, de cuidados e companhia.
Tempo suficiente para eu entender o recado da Vida.

“Aqui você pode descansar, como se estivesse em um oásis. 
Aqui você ficará o tempo necessário para beber água, refrescar-se em uma sombra e conectar-se com o que há de mais puro, verdadeiro e profundo.
Seja muito bem-vinda!”

Agradeço todos os dias pelo presente que recebi. Dona Maria Amélia, com aquele jeitinho terno e fala mansa e amorosa acolheu-me e ensinou-me a entregar e a confiar por completo na providencia Divina.

“Minha menina, tudo tem seu tempo. Acredite!” - Me encorajava dia a dia mesmo estando em sua cama extremamente limitada e com dores.
Se ela reclamava? Nenhum dia se quer ouvi algum tipo de queixa, resistência ou questionamento do porquê ela estar ali.
Mais uma vez eu era convidada a refletir sobre minha vida e meus últimos descontentamentos e desconfianças.

Mestre Maria Amélia, aquela que me convidou a ampliar a visão (física e etérea) frente às situações desafiantes da vida. Ensinou-me, pacientemente, como uma professora amorosa e dedicada que é, como a vida fica mais leve quando nos entregamos e confiamos no Universo.

E assim os meus dias ficaram realmente mais serenos e leves.
Era um prazer cuidar e ser cuidada por ela.

Até o dia em que ela me deu um presente, segundo ela algo que eu pudesse lembrar quando não estivéssemos mais juntas (como se precisasse de algo).
Com a voz serena de sempre, Dona Maria Amélia pediu para eu ir até sua escrivaninha buscar uma imagem de Santo Antônio.
Mesmo eu não sendo católica, aceitei de coração o presente e a oração emocionante que ela me ofereceu:

“Deus, permita que através de Santo Antônio, a minha Lili possa ser agraciada por um bom emprego. Cuide sempre dessa menina, que foi um anjinho colocado em minha vida, um ser especial. Proteja-a sempre, amém!”

Em meio a muita emoção, nos abraçamos e eu só conseguia agradecer pelo encontro e pelo amor incondicional que sentíamos uma pela outra.

Dia seguinte fui à entrevista em uma importante instituição sociocultural portuguesa e o resultado foi o convite para contribuir com a sua importante missão!

Um SIM! Chegou o tão esperado e merecido SIM, carregado de emoção e compreendendo as demais negativas que me trouxeram até aqui.

E os pequenos-grandes milagres do mistério que é a Vida não param por aqui...
Para o meu espanto, em meu primeiro dia de trabalho, à caminho da Chapitô a placa da rua me chama atenção – o endereço é:

Rua O Milagre de Santo Antônio.
Silenciei-me e agradeci...

Para os que chegaram até aqui na leitura e por algum motivo são céticos, os convido a experimentar entregar-se à Vida e a todos os seus mistérios e incertezas.

Somos muito pequenos para achar que sabemos o que é melhor para nós.
Nossa pequeneza nos limita a entender os verdadeiros motivos pelos quais enfrentamos as situações desafiantes.

O quanto você é capaz de despir-se de tudo o que ACHA que é bom?

Além de todos os aprendizados, compreendi que posso e devo continuar fazendo a minha parte, o que depende de mim, mas entre o fazer e o acontecer há uma lacuna, um vazio enorme onde convivem a incerteza, a confiança e o mistério.

Que tal aceitar o convite da Vida para navegar no oceano das incertezas?

Acreditem meus queridos, por mais difícil que seja a decisão de embarcar nessa viagem, as paisagens são surpreendentemente especiais, multicoloridas, inspiradoras e o melhor...
INIMAGINÁVEIS, já que somos pequenos!


Continua.


Comentários

Anônimo disse…
Nossa Dé, me arrepiei! Quantos momentos, sentimentos, aprendizado..um mar de emoções! A vida é isso mesmo, muitas vezes nos questionamos das tantas coisas que passamos, mas tudo tem um propósito maior! Que seu caminho continue iluminado com sua linda luz. Amo vc minha irmã! Fique bem!
Anônimo disse…
Amiga querida, Deus conhece todos os mistérios que rondam nossas vidas. Convido você, como forma de agradecimento, a visitar a igreja de Santo Antonio de Lisboa como forma de agradecimento. Abraço carinhoso. Andrea Pecanha

Anônimo disse…
Liz amada! Me emocionei com suas palavras e muita gratidão pela energia e sabedoria compartilhada. Continue sempre nessa sincronicidade divina e seguindo sua intuição minha amiga! Você é pura luz ! Amo você. Beijos no coração. Steh
Unknown disse…
Sua linda! Sincronicidade pura! Saber que está na hora certa, no lugar certo... Parabéns pela coragem! 🌸 Paula.
Anônimo disse…
Oi! Moça, seu relato emocionou-me profundamente, sua rendição sincera a Deus, conectou-a com o Divino que esta em todos nós, tem um Salmo que vou reproduzir que meu querido e saudoso Pai sempre repetia que condiz com sua maravilhosa experiência. "Entrega tua vida ao Senhor; confia nEle, e Ele tudo fará" Salmos 37:5", a partir dessa vivência sentirás sempre que nunca estará sozinha.
Beijão! Estamos com saudades e torcendo por você.
Tonico.